Um bilhete sem volta para o caos no transporte do Rio
A Prefeitura do Rio celebra como se fosse o fim de uma novela: na semana passada, homologou no Diário Oficial o consórcio vencedor da licitação da bilhetagem eletrônica. A Secretaria Municipal de Transportes afirma, inclusive, que “a assinatura do contrato deve ocorrer no prazo máximo de 45 dias e o início da operação, no primeiro semestre de 2023”. Mas o que a Prefeitura encara como um epílogo tem tudo para se tornar o início de um problema ainda mais grave. Ao referendar o Consórcio Bilhete Digital (CBD) como vencedor da concorrência, o prefeito Eduardo Paes está assumindo o risco de ter de gerir possivelmente a maior crise do transporte urbano da cidade.
O Consórcio Bilhete Digital foi alvo de pesados questionamentos das outras três empresas participantes da licitação e relação a sua falta de experiência na operação do sistema e a sua incapacidade técnica.
Durante o processo de concorrência pública, o CBD apresentou atestado do Detro-RJ confirmando a capacidade de operar sistema de georreferenciamento e realizar a gestão de frota do órgão. Porém, o documento foi contestado por todas as candidatas, por meio de recursos à Comissão de Licitação.
Agora o fato que causou estranheza: o contrato entre o Consórcio e o Detro-RJ não demonstra experiência adequada para atuar com bilhetagem eletrônica, uma vez que fora identificado que a empresa havia somente fornecido uso de licenças de software e não teria realizado nenhuma operação ou implantação de sistema de bilhetagem.
Ou seja: o consórcio que irá administrar toda o sistema de arrecadação e repasses dos ônibus, BRTs, VLTs etc. parece ser um amador nesse tipo de serviço. Para não dizer que apresentou informações inverídicas à Comissão de Licitação, vendendo uma expertise que não possui, um expediente que beira o estelionato concorrencial.
O Estação Rio consultou especialistas da área de tecnologia sobre os riscos à operação da bilhetagem eletrônica no Rio. Há um consenso de que a entrega de um serviço tão complexo como esse para uma empresa sem experiência é uma temeridade. A implementação de um sistema como esse necessita, na verdade, da integração de um sem número de plataformas e de soluções tecnológicas desenvolvidas por diferentes empresas. Não é um quebra cabeça para amadores. Há ainda um complicador, segundo especialistas da área: experiências tecnológicas na gestão pública costumam ser menos ágeis, com respostas mais lentas na execução do trabalho. Ou seja: a presença de um prestador de serviço neófito em bilhetagem eletrônica pode causar um caos no transporte público do Rio. Há uma ameaça real à mobilidade do carioca.
Conheça o histórico
Na primeira etapa da concorrência, o Consórcio Bilhete Digital – ganhador com o maior lance – foi desclassificado, por irregularidades e descumprimento das exigências do edital. Mas garantiu sua volta ao certame por uma decisão judicial. Após a determinação da Justiça que reabilitou o CBD, as demais participantes da licitação – Tacom, Sonda e Autopass – recorreram administrativamente. A Comissão de Licitação acatou recurso a respeito da validade do certificado de regularidade fiscal.
No dia 18 de outubro, o CBD conquistou nova limitar impedindo o prosseguimento do processo e a abertura do envelope com os documentos do segundo colocado no certame, que ocorreria no dia seguinte. Mas a liminar foi cassada em seguida.
Conforme avaliação da Comissão de Licitação, o Consórcio Bilhete Digital é inadimplente com impostos municipais (no caso em tela, vultosos atrasos no IPTU), o que briga frontalmente com exigências publicadas no edital. Ainda assim, o CBD conquistou decisão na justiça que a recolocou na disputa.
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