Imposto para garantir transporte público para todos
O professor Carlos Henrique de Carvalho, referência em planejamento e mobilidade urbana afirma que a solução para resolver a crise dos transportes no Rio é a criação, pelo governo federal, de um imposto emergencial sobre a gasolina. A verba arrecadada por esta taxação seria usada para garantir a continuidade do serviço.
O professor defende a mudança do modelo de financiamento do sistema nos moldes de custeio dos EUA e dos países da Europa e da Ásia em que toda a sociedade contribui para a manutenção das redes de transportes de passageiro. Mas essa solução, segundo ele, só seria colocada em prática depois da pandemia.
Por medo da contaminação pelo coronavírus, a tendência hoje é que as pessoas voltem a usar o carro particular. Entretanto, há uma parte da população que não tem escolha e precisa, para sobreviver, do sistema de transportes. “Por isso tem de haver uma política de compensação. Pode usar automóvel, mas vai pagar pelo uso”, explica Carvalho. Na opinião do professor, o imposto sobre a gasolina seria o mais justo. “Um proprietário de carro que roda 40 mil quilômetros por ano vai pagar mais do que outro que roda 10 mil quilômetros. Se fosse pelo IPVA, por exemplo, ambos pagariam o mesmo valor, se tivessem o mesmo veículo”, afirma.
Para Carvalho, o governo federal tem de criar um fundo de transporte para evitar a quebra das empresas. “A União já tem a CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-combustíveis) –. Poderia aumentar um pouco esse valor sobre a gasolina e, com esse recurso criar um fundo para socorrer tanto estados quanto prefeituras”, destaca. Entretanto, até agora nada foi feito, a União não está se movimentando. “Se deixar por conta da iniciativa privada isso não vai se resolver. Não tem dinheiro de onde tirar dinheiro para colocar no sistema”, constata.
Crise perdurará no pós-pandemia
O professor explica que a situação dos ônibus no Rio é a mesma em todo o Brasil, em que todos os sistemas são privatizados. O que se paga de despesa é o que se arrecada na tarifa. Se a tarifa cair, e caiu mais de 50%, as empresas têm menos 50% de recursos para poder bancar as despesas, que se tem ao final do mês, principalmente, os salários. “É isso que está acontecendo hoje, não há arrecadação suficiente com a tarifa, para poder arcar com todos os custos do sistema”, explica Carvalho.
Com a flexibilização das atividades, a demanda voltará a subir, mas não vai voltar ao nível que era antes. O problema é que as exigências aumentaram. Antes um sistema que era dimensionado para sete pessoas por metro quadrado – ou seja, todo mundo encostando em todo mundo – agora é dimensionado para duas pessoas por metro quadrado. “Com esse nível de demanda exigido, a frota vai ficar pequena para atender”, comenta. E, segundo ele, não basta só colocar mais ônibus. “O problema é que ônibus não se compram na prateleira. São encomendados e demoram para chegar de seis meses, um ano. Não há, de imediato, como aumentar a frota que está disponível no sistema.
Pesa também na crise a questão econômica: Como o empresário vai aumentar o custo se a receita de diminuiu? “Se não houver um estímulo público, uma subvenção essa conta não fecha”, afirma. Outra solução seria aumentar a tarifa, mas, segundo o professor, isso não seria adequado em um momento em que a população já está passando por grandes dificuldades. “Com a taxação da gasolina, o que for arrecadado é transferido para o transporte público coletivo. Ou, então, se cria outra receita para reequilibrar essa balança”, sugere.
Rediscussão do modelo de financiamento
Para professor Carlos Henrique Carvalho, é preciso mudar o modelo financiamento do transporte público, que hoje é custeado só pelos passageiros. “A ideia é alinhar o sistema com o que há na Europa, na Ásia e nos EUA onde cerca de 50% do custo, em média, é bancado por subvenções. O usuário só paga o custo variável. O custo fixo, que é o custo de capital, de disponibilidade da rede é pago por toda a sociedade”, detalha. O usuário paga pelo deslocamento. Já o custo da disponibilidade da rede é pago por toda a sociedade.
Segundo o pesquisador, toda a sociedade se beneficia do transporte: o usuário do automóvel só consegue andar de carro nas ruas porque tem o transporte público; os proprietários de imóveis e comerciantes, que tem seu terreno valorizado quando o metrô passa perto da sua casa ou de seu estabelecimento também, mesmo não sendo usuários do metrô. “Eles não pagam nada pelo custeio. Na França, as empresas pagam um percentual da folha de pagamento para o sistema de transporte porque se beneficiam dele”, compara.
Nesse modelo financiamento cerca de 50% do sistema, que representam o custo fixo, são pagos por fundos onde toda a sociedade contribui. Por exemplo, uma parte vem do IPTU, paga por proprietários imóveis, uma parte vem do IPVA, paga pelos proprietários de automóveis, outra parte do ICMS, que é a contribuição do setor produtivo. “Se cada um contribuir um pouco, é possível entrar nesse modelo que é o mais próximo do que se vê no primeiro mundo”, conclui.
O professor apresentou no ano passado o estudo “Financiamento extratarifário da operação dos serviços de transporte público urbano no Brasil”, com soluções para a oferta de serviço de qualidade com tarifas zeradas ou reduzidas e está concluindo a tese de doutorado pela Faculdade de Economia da UnB sobre o novo modelo de financiamento do sistema de transporte. “O transporte público tem de se igualar a conta de luz, em que todas as casas pagam. Isso se consegue com políticas voltadas a esses segmentos que hoje não contribuem para a rede e poderiam passar a contribuir”, afirma.
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