A quem interessa o fracasso do sistema de ônibus no Rio?

*Rubens dos Santos Oliveira

Há uma certa histeria coletiva no Rio de Janeiro quando entra em pauta o assunto ônibus. Não é de se estranhar, pois vivemos em uma sociedade que abriga enredos e personagens com características próprias às que Molière criou para “Tartufo”; Kafka para “o Processo”; e Machado de Assis para “O Alienista”. Assim, corrupção e hipocrisia dividem o teto com distopia e absurdo, que, por sua vez, acolhem vaidade e egoísmo com toda a esfuziante loucura dos trópicos. Tudo junto e misturado, como se diz popularmente.

Sob determinado aspecto, a equação ônibus parece ser de solução simples, particularmente no estado, pois envolve apenas quatro elementos bem definidos: o passageiro, que exige um transporte barato e de qualidade; o empresário, que precisa ganhar dinheiro para tocar seu negócio; os políticos, agregados em parlamentos e nos governos, que buscam votos para se manterem no poder; e os profissionais rodoviários, que precisam de salários dignos e segurança trabalhista para sustentarem suas famílias.

Bastaria, pois, chegarmos a um ponto de equilíbrio entre serviço, leis, regras e fiscalização, de modo a todos terem suas necessidades satisfeitas, correto? Não no Rio de Janeiro. Aqui nada pode ser assim tão fácil. Podemos expandir essa barafunda para o Brasil, com as devidas exceções? É bem provável, afinal essa é a terra onde a lógica não tem vez, onde prevalece a estratégia de se criar dificuldades para se vender facilidades. A preços exorbitantes, é claro.

O Sintronac tem solicitado, sem sucesso, às prefeituras e ao Governo do Estado, a abertura de um canal de diálogo para que possamos recriar o sistema de ônibus nos municípios do Rio de Janeiro, com a participação de usuários, rodoviários e empresários.”

Em primeiro lugar, os interesses citados anteriormente não são assim tão claros. Há manipulação da opinião pública em relação ao sistema de ônibus; há um embate constante entre empresários e políticos no que tange a fiscalização, criação de leis, pagamento das gratuidades (boa parte dos municípios da base do Sintronac está inadimplente), contratos de concessão, preços das passagens e controle dos transportes alternativo e pirata; e há elementos estranhos aos rodoviários tentando influenciar na política sindical e, consequentemente, nas relações trabalhistas e no poder de pressão da categoria junto a empresas e governos.

Em segundo lugar, estamos há cinco anos da promulgação da Emenda Constitucional 90/15, que garantiu o transporte público como um direito social, assim como já o eram a educação; a saúde; a alimentação; o trabalho; a moradia; o lazer; a segurança; a Previdência Social; a proteção à maternidade e à infância; e a assistência aos desamparados. Na época, fogos de artifício espocaram por todo o País e os políticos se apressaram em anunciar a criação de um fundo nacional para subsidiar o setor, de modo a garantir um serviço barato e eficiente. E, assim, se passaram cinco anos…

Entramos em 2020 com a maior crise de saúde pública de nossa geração, em escala global. A pandemia do Covid-19 mata milhares no Brasil e no mundo, mas também revela, no nosso caso, um País perverso, com uma fratura social de dimensões genocidas. O transporte por ônibus, diante das medidas de isolamento, recebeu o impacto de uma bomba de destruição em massa.

No entanto, como disse, o coronavírus apenas traz às claras o que já vinha acontecendo ao longo dos anos: o setor, no Rio de Janeiro, está em decadência faz tempo, tanto pelas crises econômicas sucessivas, quanto pela concorrência desleal dos transportes alternativo e clandestino. Empresas não começaram a fechar as portas esse ano, as demissões não começaram agora. Nos 13 municípios de atuação do Sintronac, há oito anos, tínhamos 45 mil rodoviários. Hoje, mal chegamos a 18 mil.

Como representante dos trabalhadores, o Sintronac tem solicitado, sem sucesso, às prefeituras e ao Governo do Estado, a abertura de um canal de diálogo para que possamos recriar o sistema de ônibus nos municípios do Rio de Janeiro, com a participação de usuários, rodoviários e empresários.

Enquanto os grandes centros urbanos do mundo, como, por exemplo, Londres, Paris e Nova York, buscam formas de subsidiar seu transporte coletivo e melhorar a qualidade de vida de seus habitantes, inclusive taxando a produção e a circulação de carros de passeio, aqui andamos na contramão, deixando o setor por conta própria em uma grande viagem rumo ao fracasso. Fica a dúvida: a quem interessa esse fracasso?

* Rubens dos Santos Oliveira é presidente do Sindicato dos Rodoviários de Niterói a Arraial do Cabo – Sintronac

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